XXI






A consciência – O sentido íntimo


A alma é, como nos demonstraram os ensinos precedentes, uma emanação, uma partícula do Absoluto. Suas vidas têm por objetivo a manifestação cada vez mais grandiosa do que nela há de divino, o aumento do domínio que está destinado a exercer dentro e fora de si, por meio de seus sentidos e energias latentes.


Pode-se alcançar esse resultado por processos diferentes, pela Ciência ou pela meditação, pelo trabalho ou pelo exercício moral. O melhor processo consiste em utilizar todos esses modos de aplicação, em completá-los uns pelos outros; o mais eficaz, porém, de todos, é o exame íntimo, a introspecção. Acrescentemos o desapego das coisas materiais, a firme vontade de melhorar a nossa união com Deus em espírito e verdade, e veremos que toda religião verdadeira, toda filosofia profunda aí vai buscar sua origem e nessas fórmulas se resume. O resto, doutrinas culturais, ritos e práticas não são mais do que o vestuário externo que encobre, aos olhos das turbas, a alma das religiões.


Victor Hugo escrevia no Post scriptum de ma vie: “É dentro de nós que devemos olhar o exterior... Inclinando-nos sobre esse poço, o nosso espírito, avistamos, a uma distância de abismo, em estreito círculo, o mundo imenso.”


Dizia também Emerson: “A alma é superior ao que se pode saber dela e mais sábia do que qualquer uma de suas obras”.


As profundezas da alma ligam-na à grande Alma universal e eterna, de que ela é uma como vibração. Essa origem e essa participação da natureza divina explicam as necessidades irresistíveis do Espírito em evolução adiantada: necessidade de infinito, de justiça, de luz; necessidade de sondar todos os mistérios, de estancar a sede nos mananciais vivos e inexauríveis cuja existência ele pressente, mas que não consegue descobrir no plano de suas vidas terrestres.


Daí provêm nossas mais altas aspirações, nosso desejo de saber, jamais satisfeito, nosso sentimento do belo e do bem; daí os clarões repentinos que iluminam de tempos em tempos as trevas da existência e os pressentimentos, a previsão do futuro, relâmpagos fugitivos no abismo do tempo, que luzem às vezes para certas inteligências.


Sob a superfície do “eu”, superfície agitada pelos desejos, esperanças e temores, está o santuário que encerra a consciência integral, calma, pacífica, serena, o princípio da sabedoria e da razão, de que a maior parte dos homens só tem conhecimento por surdas impulsões ou vagos reflexos entrevistos.


Todo o segredo da felicidade, da perfeição, está na identificação, na fusão em nós desses dois planos ou focos psíquicos; a causa de todos os nossos males, de todas as nossas misérias morais está na sua oposição.


Na Crítica da Razão Pura, o grande filósofo Emmanuel Kant demonstrou que a razão humana, isto é, a razão superficial de que falamos, por si mesma nada podia perceber, nada provar do que respeita às realidades do mundo transcendental, às origens da vida, ao espírito, à alma, a Deus.


Dessa argumentação infere-se, lógica e necessariamente, a conseqüência de que existe em nós um princípio, uma razão mais profunda que, por meio da revelação interior, nos inicia nas verdades e leis do mundo espiritual. William James faz a mesma afirmação, nestes termos: “O “eu” consciente faz um só com um “eu” maior, do qual lhe vem o resgate”. (197)


E, mais adiante:


“Os prolongamentos do “eu” consciente dilatam-se muito além do mundo da sensação e da razão, em certa região que se pode chamar mística ou sobrenatural. Quando nossas tendências para o ideal têm sua origem nessa região – é o caso da maior parte delas, porque somos possuídos por elas de maneira que não podemos perceber – ali temos raízes mais profundas do que no mundo visível, pois nossas mais altas aspirações são centro da nossa personalidade. Mas, esse mundo invisível não é somente ideal, produz efeitos no mundo visível. Pela comunhão com o invisível, o “eu” finito transforma-se; tornamo-nos homens novos e nossa regeneração, modificando nosso proceder, repercute no mundo material. Como, pois, recusar o nome de realidade ao que produz efeitos no seio de uma outra realidade? Com que direito diriam os filósofos que não é real o mundo invisível?”


*


A consciência é, pois, como diria W. James, o centro da personalidade, centro permanente, indestrutível, que persiste e se mantém através de todas as transformações do indivíduo. A consciência é não somente a faculdade de perceber, mas também o sentimento que temos de viver, agir, pensar. É una e indivisível. A pluralidade de seus estados nada prova, como vimos,(198) contra essa unidade. Aqueles estados são sucessivos, como as percepções correlativas, e não simultâneos. Para demonstrar que existem em nós vários centros autônomos de consciência, seria necessário provar também que há ações e percepções simultâneas e diferentes; mas isso não é exato e não pode ser.


Todavia, a consciência apresenta, em sua unidade, como sabemos, vários planos, vários aspectos. Física, confunde-se com o que a Ciência chama o sensorium, isto é, a faculdade de concentrar as sensações externas, coordená-las, defini-las, perceber-lhes as causas e determinar-lhes os efeitos. Pouco a pouco, pelo próprio fato da evolução, essas sensações vão-se multiplicando e apurando, e a consciência intelectual acorda. Daí em diante não terá limites seus desenvolvimentos, pois que poderá abraçar todas as manifestações da vida infinita. Então desabrocharão o sentimento e o juízo e a alma compreender-se-á a si mesma; tornar-se-á, ao mesmo tempo, sujeito e objeto. Na multiplicidade e variedade de suas operações mentais terá sempre consciência do que pensa e quer.


O “eu” afirma-se, desenvolve-se, e a personalidade completa-se pela manifestação da consciência moral ou espiritual. A faculdade de perceber os efeitos do mundo sensível exercer-se-á por modos mais elevados; converter-se-á na possibilidade de sentir as vibrações do mundo moral, de discriminar suas causas e leis.


É com os sentidos internos que o ser humano percebe os fatos e as verdades de ordem transcendental. Os sentidos físicos enganam, apenas distinguem a aparência das coisas e nada seriam sem o sensorium, que agrupa, centraliza suas percepções e as transmite à alma; esta registra tudo e tira o efeito útil. Abaixo, porém, desse sensorium superficial, há outro mais profundo, que distingue as regras e as coisas do mundo metafísico. É esse sentido profundo, desconhecido, inutilizado para a maior parte dos homens, que certos experimentadores designaram pelo nome de consciência subliminal.


A maior parte das grandes descobertas, na ordem física, foi simplesmente a confirmação das idéias percebidas pela intuição ou sentido íntimo. Newton, por exemplo, havia muito tempo que concebera o pensamento da atração universal, quando a queda de uma maçã veio dar a seus sentidos materiais a demonstração objetiva.


Assim como existe um organismo e um sensorium físicos, que nos põem em relação com os seres e as coisas do plano material, assim também há um sentido espiritual por meio do qual certos homens penetram desde já no domínio da vida invisível. Assim que, depois da morte, cair o véu da carne, esse sentido tornar-se-á o centro único de nossas percepções.


É na extensão e desenvolvimento crescente desse sentido espiritual que está a lei de nossa evolução psíquica, a renovação do ser, o segredo de sua iluminação interior e progressiva. Por ele nos desapegamos do relativo e do ilusório, de todas as contingências materiais, para nos vincularmos cada vez mais ao imutável e absoluto.


Por isso a ciência experimental será sempre insuficiente, a despeito das vantagens que oferece e das conquistas que realiza, se não for completada pela intuição, por essa espécie de adivinhação interior que nos faz descobrir as verdades essenciais. Há uma maravilha que se avantaja a todas as do exterior. Essa maravilha somos nós mesmos; é o espelho oculto no homem e que reflete todo o universo.


Aqueles que se absorvem no estudo exclusivo dos fenômenos, em busca das formas mutáveis e dos fatos exteriores, procuram, muitas vezes bem longe, essa certeza, esse criterium, que está neles. Deixam de escutar as vozes íntimas, de consultar as faculdades de entendimento que se desenvolvem e apuram no estudo silencioso e recolhido. É essa a razão pela qual as coisas do invisível, do impalpável, do divino, imperceptíveis para tantos sábios, são percebidas às vezes por ignorantes. O mais belo livro está em nós mesmos; o infinito revela-se nele. Feliz daquele que nele pode ler!


Todo esse domínio fica fechado para o positivista que posterga a única chave, o único instrumento com o auxílio do qual pode penetrar nele; o positivista afadiga-se em experimentar por meio dos sentidos físicos e de instrumentos materiais o que escapa a toda medida objetiva. Por isso, o homem dos sentidos externos raciocina a respeito do mundo e dos seres metafísicos como um surdo raciocina a respeito das regras da melodia e um cego a respeito das leis da óptica. Desperte, porém, e ilumine-se nele o senso íntimo e, então, comparada a essa luz que o inunda, a ciência terrestre, tão grande, antes, à sua vista, imediatamente se amesquinhará.


O eminente psicólogo americano William James, reitor da Universidade de Harvard, (199) declara-o, nestes termos:


“Posso me colocar na atitude do homem de Ciência e imaginar vivamente que nada existe fora da sensação e das leis da matéria; mas não posso fazê-lo sem ouvir uma admoestação interior: “Tudo isso é fantasmagoria.” Toda experiência humana, em sua viva realidade, me impele irresistivelmente a sair dos estreitos limites onde pretende encerrar-nos a Ciência. O mundo real é constituído diversamente, é muito mais rico e complexo que o da Ciência.”


Depois de Myers e Flournoy, cujas opiniões citamos, W. James estabelece, por sua vez, que a psicologia oficial não pode continuar a desconhecer os recessos da consciência profunda, colocados sob a consciência normal. Ele o diz, formalmente: (200)


“Nossa consciência normal não é mais que um tipo particular de consciência, separado, como por fina membrana, de vários outros que aguardam momento favorável para entrar em jogo. Podemos atravessá-los sem suspeitarmos de sua existência; mas, em presença de estímulo conveniente, mostram-se mais reais e complexos.”


A propósito de certas conversões acrescenta: (201)


“Descobrem-se profundezas novas na alma, à proporção que ela se transforma, como se fosse formada de camadas sobrepostas, cada uma das quais permanece desconhecida, enquanto está coberta por outras.”


E, mais adiante: (202)


“Quando um homem tende conscientemente para um ideal, é em geral para alguma coisa vaga e indefinida; existem, contudo, bem no fundo de seu organismo, forças que aumentam e caminham em sentido determinado. Os fracos esforços, que esclarecem a sua consciência, suscitam esforços subconscientes, aliados vigorosos que trabalham na sombra; mas essas forças orgânicas convergem para um resultado que muitas vezes não é o mesmo e que é sempre mais bem determinado que o ideal concebido, meditado, reclamado pela consciência nítida.”


Tudo isso confirma que a causa inicial e o princípio da sensação não estão no corpo, mas na alma; os sentidos físicos são simplesmente a manifestação externa e grosseira, o prolongamento na superfície do ser, dos sentidos íntimos e ocultos.


O Chicago Chronicle, de dezembro de 1905, refere um caso extraordinário de manifestação do sexto sentido, que julgamos dever citar aqui. Trata-se de uma menina de 17 anos, cega e surda-muda, desde a idade de 6 anos, e na qual se desenvolveu, dessa época em diante, uma faculdade nova:


“Ella Hopkins pertence a uma boa família de Utica, Nova Iorque. Há três anos foi colocada pelos pais num Instituto de Nova Iorque destinado à instrução dos surdos-mudos. Como às outras crianças daquela casa, ensinaram-lhe a ler, a ouvir e a exprimir-se por meio dos dedos.


Não somente Ella rapidamente se apropriou dessa linguagem, como chegou a perceber o que se passa em volta de si, tão facilmente como se gozasse de seus sentidos normais. Sabe quem entra e sai, se é pessoa conhecida ou estranha; segue e percebe a conversa sustentada em voz baixa no aposento onde se encontra e, a pedido, a reproduz fielmente por escrito. Não se trata de leitura de pensamento direto, pois que a menina não compreende o pensamento das pessoas presentes senão quando lhe dão uma expressão vocal.


Mas, essa faculdade tem intermitências e mostra-se às vezes com outros aspectos.


A memória de Ella é das mais notáveis. O que aprendeu uma vez – e aprende depressa – nunca mais o esquece. Sentada diante da máquina de escrever, com os olhos fixos, como se vissem, com interesse intenso nas teclas do instrumento, do qual se serve com extrema precisão, tem toda a aparência de uma jovem em plena posse das faculdades normais. Os olhos são claros e expressivos, a fisionomia animada e variável. Ninguém diria que Ella é cega, surda e muda.


Devemos acreditar que o diretor do Instituto, Sr. Currier, está habituado à manifestação das faculdades anormais nesses infelizes, pois que não parece admirar-se com o caso da menina. “Temos todos – diz ele – consciência de certas coisas sem o auxílio aparente dos sentidos ordinários... Aqueles que são privados de dois ou três desses sentidos e obrigados a contar com o desenvolvimento de outras faculdades para os substituir, vêem naturalmente estas se desenvolverem e fortificarem.”


Há, na mesma classe de Ella, outras duas mocinhas igualmente cegas, surdas e mudas, que possuem também este “sexto sentido”, ainda que em menor grau. Faz gosto, ao que parece, vê-las, todas três, comunicarem-se rapidamente pelo vôo do pensamento, tendo apenas necessidade do ligeiro contacto dos dedos sensitivos.”


À enumeração desses fatos acrescentaremos um testemunho de alto valor, o do Prof. César Lombroso, da Universidade de Turim. Escrevia ele na revista italiana Arena (junho de 1907):


“Até 1890 fui acérrimo adversário do Espiritismo. Em 1891, porém, tive de combater numa cliente minha um dos fenômenos mais curiosos que jamais se me depararam. Tive de tratar a filha de um alto funcionário de minha cidade natal, a qual, de repente, foi acometida, na época da puberdade, de violento acesso de histeria acompanhado de sintomas de que nem a Patologia nem a Fisiologia podiam dar explicação. Havia momentos em que os olhos perdiam totalmente a faculdade de ver e em compensação a doente via com os ouvidos. Era capaz de ler com os olhos vendados algumas linhas impressas que lhe apresentassem ao ouvido. Quando se lhe punha uma lente entre o ouvido e a luz solar, ela experimentava como que uma queimadura nos olhos; exclamava que queriam cegá-la... Conquanto não fossem novos esses fatos, não deixavam de ser singulares. Confesso que, pelo menos, pareciam-me inexplicáveis pelas teorias fisiológicas e patológicas estabelecidas até então. Parecia-me bem clara uma única coisa: que esse estado punha em ação, numa pessoa dantes inteiramente normal, forças singulares em relação com sentidos desconhecidos. Foi então que tive a idéia de que talvez o Espiritismo me facilitasse a aproximação da verdade.”


Eis outro exemplo do desenvolvimento dos sentidos psíquicos, para o qual chamamos toda a atenção do leitor. A pessoa de quem vamos falar é considerada como uma das maravilhas de nossa época: (203)


Helen Keller é também uma menina cega, surda e muda. Não possui, em aparência, senão o sentido do tato para comunicar com o mundo exterior. E, entretanto, pode conversar em três línguas com seus visitantes; sua bagagem intelectual é considerável; possui um sentimento estético que lhe permite gozar das obras de arte e das harmonias da Natureza. Pelo simples contacto das mãos, ela distingue o caráter e a disposição de espírito das pessoas que encontra. Com a ponta dos dedos colhe a palavra nos lábios e lê nos livros apalpando os caracteres salientes, especialmente impressos para ela. Eleva-se à concepção das coisas mais abstratas e sua consciência ilumina-se com claridades que vai buscar nas profundezas de sua alma.


Escutemos o que nos diz a Sra. Maëterlinck, depois da visita que lhe fez em Wrentham (América):


“Helen Keller é um ser superior; vê-se sua razão equilibrada, tão poderosa e tão sã, sua inteligência tão clara e tão bela, que o problema logo se transmuda. Já não se procura ser compreendido, mas compreender.


Helen possui profundos conhecimentos de Álgebra, de Matemática, um pouco de Astronomia, de latim e grego; lê Molière e Anatole France e se exprime em seus idiomas; compreende Goethe, Schiller e Heine em alemão, Shakespeare, Rudyard Kipling e Wells em inglês e escreve ela própria como filósofa, psicóloga e poetisa.”


O sentido do tato é impotente para produzir tal estado mental, tanto mais que Helen, dizem seus educadores, consegue perceber o farfalhar das folhas, o zumbido das abelhas. Agrada-lhe o correr nos bosques.


Seu biógrafo, Gérard Harry, assegura que a intensidade de suas percepções confere-lhe aptidões de uma leitora do pensamento.


Evidentemente, encontramo-nos em presença de um ser evoluído, retornando à cena do mundo com toda a aquisição dos séculos percorridos.


O caso de Helen prova que por trás dos órgãos momentaneamente atrofiados existe uma consciência desde muito familiarizada com as noções do mundo exterior. Há, aí, ao mesmo tempo, uma demonstração das vidas anteriores da alma e da existência dos seus próprios sentidos, independentes da matéria, dominando-a e sobrevivendo a toda desagregação corporal.


Para desenvolver, apurar a percepção, de modo geral, é preciso, a princípio, acordar o sentido íntimo, o sentido espiritual. A mediunidade demonstra-nos que há seres humanos muito mais bem dotados, em relação à visão e audição interiores, do que certos Espíritos que vivem no espaço e cujas percepções são extremamente limitadas em vista da insuficiência de sua evolução.


Quanto mais puros e desinteressados são os pensamentos e os atos, numa palavra, quanto mais intensa é a vida espiritual e quanto mais ela predomina sobre a vida física, tanto mais se desenvolvem os sentidos interiores. O véu que nos esconde o mundo fluídico adelgaça-se, torna-se transparente, e por trás dele a alma distingue um conjunto maravilhoso de harmonias e belezas, ao mesmo tempo em que se torna mais apta a recolher e transmitir as revelações, as inspirações dos seres superiores, porque o desenvolvimento dos sentidos internos coincide, geralmente, com uma extensão das faculdades do Espírito, com uma atração mais enérgica das radiações etéreas.


Cada plano do universo, cada círculo da vida, corresponde a um número de vibrações que se acentuam e tornam mais rápidas, mais sutis, à medida que se aproximam da vida perfeita. Os seres dotados de fraco poder de radiação não podem perceber as formas de vida que lhes são superiores, mas todo Espírito é capaz de obter pela preparação da vontade e pela educação dos sentidos íntimos um poder de vibração que lhe permite agir em planos mais extensos. Achamos uma prova da intensidade dessa forma de emissão mental no fato de se terem visto moribundos ou pessoas em perigo de morte impressionarem telepaticamente, a grandes distâncias, vários indivíduos, ao mesmo tempo. (204)


Na realidade, cada um de nós podia, se quisesse, comunicar a todos os momentos com o mundo invisível. Somos Espíritos. Pela vontade podemos governar a matéria e desprender-nos de seus laços para vivermos numa esfera mais livre, a esfera da vida superconsciente. Para isso é mister espiritualizar-nos, voltar à vida do espírito por uma concentração perfeita de nossas forças interiores. Então, nos encontraremos face a face com uma ordem de coisas que nem o instinto, nem a experiência, nem mesmo a razão pode perceber.


A alma, em sua expansão, pode quebrar a parede de carne que a encerra e comunicar por seus próprios sentidos com os mundos superiores e divinos. É o que têm podido fazer os videntes e os verdadeiros santos, os grandes místicos de todos os tempos e de todas as religiões.


William James nota-o nestes termos:(205)


“O mais importante resultado do êxtase é fazer cair toda a barreira levantada entre o indivíduo e o Absoluto. Por ele percebemos nossa identidade com o Infinito. É a eterna e triunfante experiência do misticismo, que se encontra em todos os climas e em todas as religiões. Todas fazem ouvir as mesmas vozes com imponente unanimidade; todas proclamam a unidade do homem com Deus.”


Noutro lugar expõe também nestes termos suas vistas sobre o misticismo:(206)


“Os estados místicos aparecem no sujet como uma forma de conhecimento; revelam-lhe profundezas insondáveis à razão discursiva; é uma iluminação de riqueza inexaurível, que, sente-se, terá em toda vida imensa repercussão.


Chegados a seu pleno desenvolvimento, esses estados impõem-se de fato e de direito aos que os experimentam, com absoluta autoridade... Opõem-se à autoridade da consciência puramente racional fundada unicamente no entendimento e nos sentidos, provando que ela não é mais do que um dos modos da consciência.”


William James pensa igualmente que os estados místicos podem ser considerados como janelas que dão para um mundo mais extenso e completo.


*


O Espiritismo demonstra até certo ponto a exatidão dessas apreciações. A mediunidade, em suas formas tão variadas, é também a resultante de uma exaltação psíquica, que permite entrem os sentidos da alma em ação, substituam por um momento os sentidos físicos e percebam o que é imperceptível para os outros homens. Caracteriza-se e desenvolve-se segundo as aptidões que tem o sentido íntimo para predominar, de uma forma ou de outra, e manifestar-se por uma das vias habituais da sensação. O Espírito que desejar fazer uma comunicação reconhece, à primeira vista, o sentido orgânico que, no médium, lhe servirá de intermediário e atua sobre esse ponto. Umas vezes é a palavra ou também a escrita pela ação mecânica da mão; outras, é o cérebro, quando se trata da mediunidade intuitiva. Nas incorporações temporárias é a posse plena e a adaptação dos sentidos espirituais do manifestante aos sentidos físicos do sujet.


A faculdade mais comum é a clarividência, isto é, a percepção, estando fechados os olhos, do que se passa ao longe, no tempo ou no espaço, no passado ou no futuro; é a penetração do Espírito do clarividente nos meios fluídicos onde são registrados os fatos consumados e onde se elaboram os planos das coisas futuras. A clarividência exerce-se as mais das vezes inconscientemente, sem preparação alguma. Nesse caso resulta da evolução natural do médium; mas é possível também provocá-la, assim como a visão espírita.


Sobre esse assunto, o Coronel de Rochas exprime-se da maneira seguinte:(207)


“Mireille descrevia-me assim os efeitos, sobre si, das minhas magnetizações:


– Quando estou acordada, minha alma está aprisionada ao corpo e eu me sinto como uma pessoa que, encerrada no pavimento térreo de uma torre, não vê o exterior senão através das cinco janelas dos sentidos, tendo cada uma vidros de cores diferentes. Quando me magnetizais, livrais-me pouco a pouco das minhas cadeias e minha alma, que deseja sempre subir, penetra na escada da torre, escada sem janela, e não percebo que me guiais, senão no momento em que desemboco na plataforma superior. A minha vista estende-se em todas as direções com um sentido único muito aguçado que me põe em relação com objetos que ele não podia perceber através dos vidros da torre.”


Pode-se também adquirir a clariaudiência, a audição das vozes interiores, modo de comunicação possível com os Espíritos. Outra manifestação dos sentidos íntimos é a leitura dos acontecimentos registrados, fotografados de algum modo na ambiência de um objeto antigo ou moderno. Por exemplo, um pedaço de arma, uma medalha, um fragmento de sarcófago e uma pedra de ruínas evocarão na alma do vidente uma série completa de imagens referentes aos tempos e aos lugares a que pertenceram esses objetos. É o que se chama psicometria.(208)


Acrescentemos também a esses fenômenos os sonhos simbólicos, os premonitórios e mesmo os pressentimentos obscuros que nos advertem de um perigo do qual não desconfiamos.


Já dissemos que muitas pessoas têm, sem o saberem, a possibilidade de comunicar com seus amigos do espaço por intermédio do sentido íntimo. Nesse grupo estão as almas verdadeiramente religiosas, isto é, idealizadas, em que as provações, os sofrimentos e uma longa preparação moral apuraram os sentidos sutis, tornando-os mais sensíveis às vibrações dos pensamentos externos. Muitas vezes, dirigiram-se a mim almas humanas aflitas para, do Além, solicitar avisos, conselhos, indicações que não me era possível proporcionar-lhes. Recomendava-as, então, a experiência seguinte que, às vezes, dava bom resultado: “Concentrai-vos – dizia-lhes eu – em retiro e no silêncio; elevai os pensamentos para Deus; chamai o vosso Espírito protetor, o guia tutelar, que Deus nos dá para a viagem da vida. Interrogai-o sobre as questões que vos preocupam, desde que sejam dignas dele, livres de todo o interesse vil; depois, esperai! Escutai em vós mesmos, atentamente, e, ao cabo de um instante, ouvireis nas profundezas de vossa consciência como que o eco enfraquecido de uma voz longínqua ou, antes, percebereis as vibrações de um pensamento misterioso que expulsará vossas dúvidas, dissipará vossas angústias, embalar-vos-á e consolará.”


É essa, com efeito, uma das formas de mediunidade e não é das menos belas. Todos podem obtê-la, participando daquela comunicação dos vivos e dos mortos, que está destinada a estender-se um dia a toda a humanidade.


Pode-se até, por esse processo, corresponder com o plano divino. Em circunstâncias difíceis de minha vida, quando hesitava entre resoluções contrárias a respeito da tarefa que me foi confiada, de difundir as verdades consoladoras do Neo-Espiritualismo, apelando para a Entidade Suprema, ouvia sempre ressoar em mim uma voz grave e solene que me ditava o dever. Clara e distinta, contudo, essa voz parecia provir de um ponto muito distante. Seu acento de ternura enternecia-me até às lágrimas.


*


A intuição não é, pois, na maioria das vezes, senão uma das formas empregadas pelos habitantes do mundo invisível para nos transmitirem seus avisos, suas instruções. Outras vezes será a revelação da consciência profunda à consciência normal. No primeiro caso pode ser considerada como inspiração. Pela mediunidade o Espírito infunde suas idéias no entendimento do transmissor. Este fornecerá a expressão, a forma, a linguagem e, na medida de seu desenvolvimento cerebral, o Espírito achará meios mais ou menos seguros e abundantes para comunicar seu pensamento com todo o desenvolvimento e relevo.


O pensamento do Espírito agente é uno em seu princípio de emissão, mas varia em suas manifestações, segundo o estado mais ou menos perfeito dos instrumentos que emprega. Cada médium marca com o cunho de sua personalidade a inspiração que lhe vem de mais alto. Quanto mais cultivado e espiritualizado é o intelecto do sujet, tanto mais comprimidos são nele os instintos materiais e com tanto mais pureza e fidelidade será transmitido o pensamento superior.


A larga corrente de um rio não pode escoar-se através de um canal estreito. O Espírito inspirador não pode, semelhantemente, transmitir pelo organismo do médium senão aquelas de suas concepções que por ele puderam passar.


Por um grande esforço mental, sob a excitação de uma força externa, o médium poderá exprimir concepções superiores a seu próprio saber; mas, na expressão das idéias sugeridas, encontrar-se-á seus termos preferidos, seus modos de dizer habituais, ainda que o estimulante que nele atua lhe dê, por momentos, mais amplitude e elevação a linguagem.


Vemos, assim, quantas dificuldades, quantos obstáculos opõe o organismo humano à transmissão fiel e completa das concepções da alma e como é necessária uma longa preparação, uma educação prolongada para o tornar flexível e adaptá-lo às necessidades da Inteligência que o move. E isso não se aplica somente ao Espírito desencarnado que quer manifestar-se por meio de um intermediário humano, um médium, mas também à própria alma encarnada, cujas concepções profundas nunca conseguem vir plenamente à luz no plano terrestre, como o afirmam todos os homens de gênio e, particularmente, os compositores e poetas.


A princípio, a inspiração é consciente; mas desde que a ação do Espírito se acentua, o médium acha-se sob a influência de uma força que o faz agir independentemente de sua vontade; ou então invade-o uma espécie de peso; velam-se-lhe os olhos e ele perde a consciência de si mesmo para passar a um domínio invisível. Nesse caso, o médium não é mais do que um instrumento, um aparelho de recepção e transmissão. Qual máquina que obedece à corrente elétrica que a põe em movimento, assim também obedece o médium à corrente de pensamentos que o invade.


No exercício da mediunidade intuitiva, no estado de vigília, muitos desanimam diante da impossibilidade de distinguir as idéias que nos são próprias das que nos são sugeridas. Cremos, todavia, que é fácil reconhecer as idéias de origem estranha. Brotam espontaneamente, de improviso, como clarões súbitos que derivam de foco desconhecido; ao passo que nossas idéias pessoais, as que provêm do nosso cabedal, estão sempre à nossa disposição e ocupam de maneira permanente nosso intelecto. Somente as idéias inspiradas surgem como por encanto, mas se seguem, encadeiam-se por si mesmas e exprimem-se com rapidez, às vezes de maneira febril.


Quase todos os autores, escritores, oradores e poetas são médiuns em certos momentos; têm a intuição de uma assistência oculta que os inspira e participa de seus trabalhos. Eles mesmos assim o confessam nas horas de expansão.


Thomas Paine escrevia:


“Ninguém há que, tendo-se ocupado com os progressos do espírito humano, não tenha feito a observação de que há duas classes bem distintas do que se chama idéias ou pensamentos: as que em nós mesmos se produzem pela reflexão e as que de si mesmas se precipitam em nosso espírito. Tomei para mim como regra acolher sempre com cortesia esses visitantes inesperados e investigar, com todo o cuidado de que era capaz, se eles mereciam a minha atenção. Declaro que é a esses hóspedes estranhos que devo todos os conhecimentos que possuo.”


Emerson fala do fenômeno da inspiração nos seguintes termos:


“Os pensamentos não me vêm sucessivamente como num problema de Matemática, mas penetram por si mesmos em meu intelecto, como um relâmpago que brilha na escuridão da noite. A verdade aparece-me, não pelo raciocínio, mas por intuição.”


A rapidez com que Walter Scott, o bardo d'Aven, escrevia seus romances, era motivo de assombro para seus contemporâneos. A explicação do fato é ele mesmo quem fornece:


“Vinte vezes encetei o trabalho depois de ter delineado o plano e nunca me foi possível segui-lo. Meus dedos trabalham independentes de meu pensamento. Foi assim que, depois de ter escrito o segundo volume de Woodstock, não tinha a menor idéia de que a história desenrolar-se-ia numa catástrofe no terceiro volume.”


Falando de L'Antiquaire, diz também:


“Tenho um plano geral, mas logo que pego na pena ela corre com muita rapidez sobre o papel, a tal ponto que muitas vezes sou tentado a deixá-la correr sozinha para ver se não escreverá tão bem como quando é guiada por meu pensamento.”


Novalis, cujos Fragments e Disciples de Saïs ficarão entre os mais poderosos esforços do espírito humano, escrevia:


“Parece ao homem que ele está empenhado numa conversa e que algum ser desconhecido e espiritual o determina, de maneira maravilhosa, a desenvolver os pensamentos mais evidentes. Esse ente deve ser superior e homogêneo, porque se põe em relação com o homem de tal maneira que não é possível a um ser sujeito aos fenômenos.”


Convém lembrar também a célebre inspiração de Jean-Jacques Rousseau descrita por ele próprio e que tornou-se, por assim dizer, clássica:


“Eu ia ver Diderot, prisioneiro em Vincennes. Tinha no bolso um Mercure de France, que me pus a folhear durante o caminho. Deparou-se-me a questão da Academia de Dijon, que motivou meu primeiro escrito. Se jamais alguma coisa se pareceu com uma inspiração sutil, foi o movimento que se operou em mim com essa leitura. De repente senti o espírito deslumbrado por mil luzes. Multidões de idéias vivas apresentam-se ao mesmo tempo com uma força e uma confiança que me lançaram numa perturbação inexprimível. Senti a cabeça tomada de um atordoamento semelhante à embriaguez. Violenta palpitação me oprimia e ansiava-me o peito. Não me sendo possível caminhar por não poder respirar, deixei-me cair debaixo de uma árvore da avenida e passei ali meia hora em tal agitação que, ao levantar-me, vi molhada de lágrimas toda a frente do paletó sem ter percebido que houvesse chorado. Oh! Se alguma vez me tivesse sido possível escrever a quarta parte do que vi debaixo daquela árvore, com que clareza teria feito ver todas as contradições do sistema social, com que força teria exposto todos os abusos de nossas instituições, com que simplicidade teria demonstrado que o homem é naturalmente bom... Tudo o que pude reter daquela massa de grandes verdades que, dentro de um quarto de hora, me iluminaram debaixo daquela árvore, foi facilmente disseminado em meus três principais escritos, a saber: este primeiro Discurso, o da Desigualdade e o Tratado da Educação... Tudo mais se perdeu e não houve, escrito no próprio lugar, senão a prosopopéia de Fabrícius.”


O caso de inspiração mediúnica mais extraordinário, talvez, das tempos modernos é o de Andrew Jackson Davis, chamado também o vidente de Poughkeepsie. Essa personagem aparece ao alvorecer do Neo-Espiritualismo americano como uma espécie de apóstolo de forte relevo. Graças a uma faculdade que não teve rival, pôde exercer irresistível influência em sua época, nos Estados Unidos.


Extraímos os seguintes pormenores da obra da Sra. Emma Harding, intitulada Espiritualismo Americano Moderno:


“Na idade de 15 anos o jovem Davis tornou-se, primeiramente, célebre em Nova Iorque e no Connecticut por sua habilidade em diagnosticar as doenças e prescrever remédios, graças a uma admirável faculdade de clarividência. De temperamento franzino e delicado, o jovem médium possuía um grau de cultura intuitiva que compensava a ausência total de educação e uma facilidade de apresentação que não era de se esperar de sua origem muito humilde, porque era filho e aprendiz de um pobre sapateiro da terra.


Havia sido por acaso magnetizado aos 14 anos por um certo Levingston, de Poughkeepsie, que, descobrindo que o aprendiz de sapateiro possuía admiráveis faculdades de clarividência e um dom extraordinário para curar as doenças, tirou-o da loja o fez seu sócio.


Desde que o acaso fizera Levingston descobrir os dons maravilhosos do jovem Davis, o tempo deste último fora tão bem empregado que nem naquele momento, nem em época nenhuma de sua carreira, teve tempo disponível para acrescentar uma letra à sua instrução de campônio. A humildade de classe e os meios de seus pais privaram-no de toda possibilidade de cultura, salvo durante cinco meses em que freqüentou a escola da aldeia e os rudes camponeses dos distritos atrasados.


A celebridade extraordinária a que chegou tornou públicas as menores particularidades de sua infância. Está, pois, averiguado que sua mais alta ciência, na época, pode-se dizer, de sua iluminação espiritual, limitava-se a saber ler, escrever e contar sofrivelmente, e toda a sua literatura se resumia num conto chamado Les troes espagnoles.


Davis tinha 18 anos quando anunciou, ao círculo de admiradores a quem interessava sua clarividência, que ia ser instrumento de uma nova e admirável fase de poder espiritual, começando por uma série de conferências destinadas a produzir considerável efeito no mundo científico e nas opiniões religiosas da humanidade.


Em cumprimento dessa profecia, começou ele uma série de conferências e escolheu para magnetizador o Dr. Lyon de Bridgeport, para secretário o Rev. William Fishbough, para testemunhas especiais o Rev. J. N. Parcker, R. Lapham, Esq. e o Dr. L. Smith, de Nova Iorque. Além dessas, muitas outras pessoas de alta posição ou de extensos conhecimentos literários e científicos eram convidadas de vez em quando a assistir àquelas conferencias. Assim se produziu a vasta miscelânea de conhecimentos literários, científicos, filosóficos e históricos, intitulada Divinas Revelações da Natureza.


O caráter maravilhoso dessa obra, emanada de pessoa tão inteiramente incapaz de produzi-la nas circunstancia ordinárias, excitou a mais profunda admiração em todas as classes sociais.


As Revelações não tardaram a seguir-se; Grande Harmonia, A Idade Presente e a Vida Interior.


Junto às conferências de Davis, a seus trabalhos de editor, às associações que agrupou e à sua larga influencia pessoal, outras volumosas produções realizaram uma revolução completa nos Estados Unidos, nos espíritos de numerosa classe de pensadores chamados os advogados da filosofia harmônica, e essa revolução deve incontestavelmente sua origem ao pobre aprendiz de sapateiro.


James Victor Wilson, de Nova Orleans, bem conhecido por seus trabalhos literários e autor de um excelente tratado de magnetismo, diz, falando das primeiras conferências:


“Não tardará que Davis faça conhecer ao mundo a vitória da clarividência e será isto uma grande surpresa.


“No decurso do ano passado, esse amável rapaz, sem educação, sem preparo, ditou dia a dia um livro extraordinário, bem concebido, bem ligado, tratando das grandes questões da época, das ciências físicas, da Natureza em todas as suas ramificações infinitas, do homem em seus inumeráveis modos de existência, de Deus no abismo insondável de seu amor, de sua sabedoria e de seu poder.


“Milhares de pessoas, que o viram em seus exames médicos, ou em suas exposições cientificas, dão testemunho da admirável elevação de espírito que Davis possui no estado anormal. Seus manuscritos foram muitas vezes submetidos à investigação das mais altas inteligências do país, que se certificaram, da maneira mais profunda, da impossibilidade de ele ter adquirido os conhecimentos de que dava prova no estado anormal. O resultado mais claro da vida dessa personagem fenomenal foi a demonstração da clarividência e a gloriosa revelação de que a alma do homem pode comunicar espiritualmente com os Espíritos do outro mundo, como com os deste, e aspirar a adquirir conhecimentos que se estendem muito além da esfera terrestre.”


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Falamos incidentemente do método a seguir para o desenvolvimento dos sentidos psíquicos. Consiste em insular-se uma pessoa em certas horas do dia ou da noite, suspender a atividade dos sentidos externos, afastar de si as imagens e ruídos da vida externa, o que é possível fazer mesmo nas condições sociais mais humildes, no meio das ocupações mais vulgares. É necessário, para isso, concentrar-se e, na calma e recolhimento do pensamento, fazer um esforço mental para ver e ler no grande livro misterioso o que há em nós. Nesses momentos apartai de vosso espírito tudo o que é passageiro, terrestre, variável. As preocupações de ordem material criam correntes vibratórias horizontais, que põem obstáculo às radiações etéreas e restringem nossas percepções. Ao contrário, a meditação, a contemplação e o esforço constante para o bem e o belo formam correntes ascensionais, que estabelecem a relação com os planos superiores e facilitam a penetração em nós dos eflúvios divinos. Com esse exercício repetido e prolongado, o ser interno acha-se pouco a pouco iluminado, fecundado, regenerado. Essa obra de preparação é longa e difícil, reclama às vezes mais de uma existência. Por isso, nunca é cedo demais para empreendê-la; seus bons efeitos não tardarão a se fazer sentir.


Tudo o que perderdes em sensações de ordem inferior, ganhá-lo-eis em percepções supraterrestres, em equilíbrio mental e moral, em alegrias do espírito. Vosso sentido íntimo adquirirá uma delicadeza, uma acuidade extraordinária; chegareis a comunicar um dia com as mais altas esferas espirituais. Procuraram as religiões constituir esses poderes por meio da comunhão e da prece; mas a prece usada nas igrejas, conjunto de fórmulas aprendidas e repetidas mecanicamente durante horas inteiras, é incapaz de dar à alma o vôo necessário, de estabelecer o laço fluídico, o fio condutor pelo qual se estabelecerá a relação. É preciso um apelo, um impulso mais vigoroso, uma concentração, um recolhimento mais profundo. Por isso preconizamos sempre a prece improvisada, o grito da alma que, em sua fé e em seu amor, se lança com todas as forças acumuladas em si para o objeto de seu desejo.


Em vez de convidar por meio da evocação os Espíritos celestes a descerem para nós, aprenderemos assim a desprender-nos e subir até eles.


São, contudo, necessárias certas precauções. O mundo invisível está povoado de entidades de todas as ordens e quem nele penetra deve possuir uma perfeição suficiente, ser inspirado por sentimentos bastante elevados para se pôr a salvo de todas as sugestões do mal. Pelo menos, deve ter em suas pesquisas um guia seguro e esclarecido. É pelo progresso moral que se obtém a autoridade, a energia necessária para impor o devido respeito aos Espíritos levianos e atrasados, que pululam em torno de nós.


A plena posse de nós mesmos, o conhecimento profundo e tranqüilo das leis eternas, preservam-nos dos perigos, dos laços, das ilusões do Além; proporcionam-nos os meios de examinar as forças em ação sobre o plano oculto.